segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Reporte do evento: Elas mandam e opinião sobre o caso D20 + seios

Por Natalia Avernus

Primeiramente, gostaria de informar uns conceitos básicos para os iniciantes:

MACHISMO: opressão do gênero masculino sobre o feminino.
FEMINISMO: movimento social que luta contra o machismo e reivindica igualdade.

SLUTSSHAMMING: ridicularização/desrespeito à uma mulher pela sua roupa seu comportamento considerado “vulgar”.
SORORIDADE: união e companheirismo entre mulheres.
ASSÉDIO: comportamento persistente e incômodo.


Fui ao evento que aconteceu neste domingo (8/2/2015), chamado Elas Mandam, do RPG Urbano. Considerei uma verdadeira missão. Já faz muito tempo que não vou em eventos de RPG justamente por não considerá-los tão produtivos para mim (raramente eu realmente apreciei uma aventura em evento), mas eu como feminista e mestra/jogadora de RPG com 17 anos de experiência achei que pudesse contribuir positivamente.




Brienne, das Crônicas de Gelo e Fogo: a mulher forte que incomoda!
O clima em geral do evento foi positivo. Os organizadores Diego Claudino e Jorge Valpassos foram muito competentes na organização e respeitosos comigo. A estrutura do evento também foi boa, só achei que poderia ter um microfone. Seria melhor para as falas.

Mas como eu já sabia, não podia faltar machismo. Quando sugeri a um jogador da mesa que eu participei de jogar com personagem feminino, ele arregalou os olhos e falou: “Quê!? Nem fodendo!”. Será tão difícil assim vestir o gênero feminino? Tão envergonhador? Eu mesma joguei com um personagem masculino, pois era um meistre da Cidadela (Crônicas de Gelo e Fogo) e não há meistres mulheres… Também ouvi um ou outro comentário infeliz, mas não posso dizer que não esperava que isso fosse acontecer.









Em uma das falas do evento, pude presenciar um slutsshaming. Gostaria de usar este espaço de fala virtual para dar minha opinião:

  1. Não vejo como negativo uma mulher que vá aos eventos com roupas curtas/decotadas/transparentes. Realmente acredito na liberdade de vestir e não vou considerar nenhuma mulher como “puta”, independente da roupa.
  2. Não vejo como negativo uma mulher que vá aos eventos “para arrumar namorado”. Claro que o objetivo final do evento é o hobby, mas se a mulher está também afim de encontrar companhia, acho totalmente válido. Flertar é uma coisa (demonstrar interesse de maneira respeitosa), assediar é outra (ficar “babando”, ser insistente após a pessoa ter dado uma negativa, ficar forçando contato físico, etc.).
  3. Não acho que as mulheres que se encaixem no item 1 e 2 “estraguem” a fama das outras. Já basta os machistas nos rotulando. Eu como mulher e feminista defendo ativamente a liberdade de comportamento e vestir.

Após o debate, fiz questão de reunir as mulheres do evento para fazer um debate feminista. Ali eu expliquei o que era Feminismo e slutsshaming e falei da importância da união entre as mulheres. A Ana Recalde falou também sobre sororidade, palavra desconhecida da maioria. Ressaltou a importância de perder a ideia de que mulheres devem competir entre si e se verem como inimigas e substituir este sentimento por laços de amizade e companheirismo entre as mulheres, com apoio e “camaradagem”, tão comum entre os homens.

Após o debate, consegui concluir o jogo de Fiasco que eu estava participando. Não foi um jogo empoderador feminino, embora tivesse uma guerreira (interpretada por jogadora mulher) que teve bastante atuação. Curioso é que teve um casal gay de personagens (laço que eu criei de propósito para os jogadores hétero) e eles a princípio reclamaram muito, mas depois eles até interpretaram uma cena de sexo!

Fui embora com uma boa impressão geral, acontecendo tudo como eu já previa.

Parabenizo mais uma vez os organizadores Diego Claudino e Jorge Valpassos pela realização do evento e apoio na causa feminista.

D20 + Seios

Alguns amigos vieram me perguntar o que eu achei deste caso. Imagino que a esta altura todos sabem do que estou falando. Uma página de RPG do facebook divulgou uma imagem de um decote e um colar com um D20 de pingente com a legenda: “quem disse que mulher e RPG não combinam?”.

Fiquei impressionada com o caso. Não pelo machismo, que vejo constantemente no meio nerd. Mas pelo posicionamento de alguns homens em repúdio à imagem e apoio nas falas das mulheres.

No entanto, a quantidade de discurso machista nos posts é avassaladora. Pude ver o apoio à banalização do corpo feminino, o silenciamento das falas das mulheres, mulheres sendo bloqueadas por se expressarem contra a imagem, “piadas” dizendo que o corpo da mulher pode sim ser consumido, dentre outros “chorumes” que já estou acostumada a ver.

Para ilustrar resumidamente o machismo no meio nerd, vou colar aqui o texto que um “amigo” meu postou uma vez em seu facebook:


“Boardgames, rpgs e cardgames >>>> mulher. Pelo menos esses jogos são inteligíveis e se te decepcionam você ainda pode revendê-los. Não te dão trabalho que nao seja voluntário. Não tem dramas ou dias ruins. E quando você precisa estão lá para recebê-lo em sua plenitude lógica. E no fim das contas ainda é mais barato. Podem me condenar na ignorância de que são incomparáveis ou necessárias. Mas a boa é que nao preciso de nada. Podem zoar, mas meu argumento é irrefutavel pelas estatisticas. As mulheres perderam a guerra para os jogos. São mais interessantes e têm mais conteúdo. Pelo menos mais do que as que conheci ate agora. Talvez se eu fosse humano ficaria triste por isso. Afinal é sinal do fim. Ou o começo do imperio definitivo de cachorros idiotas que pensam com o pênis.”


Isso é só uma amostra do que vemos por aí. Vi homens dizendo que nunca presenciaram machismo no meio nerd. Mas acreditem, ele existe e seus olhos de homem podem não reparar nele, por que você não o sofre e aparentemente não tem empatia para perceber. Pergunte às suas amigas nerds se elas se sentem confortáveis com a representação das mulheres na maioria dos jogos (corpos hiper sexualizados, armaduras de biquini, etc). Perguntem se elas nunca sofreram assédio ou dúvida de sua capacidade dentro de eventos, grupos virtuais, MMO’s e na própria mesa de RPG. Observe a diferença do papel feminino e do masculino em todas as histórias “nerds”. Quem manda mais? Quem luta mais? Quem é mais temido? Quem tem mais poder? Não somos nós, na maioria das vezes. Desde o mais clássico plot de aventura: salvar a princesa do dragão, é muito mais difícil ver uma história em que as mulheres tenham destaque e sejam, de fato, personagens que fazem a diferença.

Mas isso não é um problema apenas da cultura nerd. O machismo está gritando em toda a cultura e o Feminismo ainda é um canto entoado por poucas vozes, principalmente no Brasil. Quem esperava que o público nerd seria mais “evoluído” e teria transcendido este problema cultural que é o machismo está redondamente enganado. Ser nerd não é sinônimo de ser intelectual/consciente/com empatia social. A classe “nerd”, formada principalmente por homens-brancos-hétero é potencialmente preconceituosa, por não se encaixar em nenhuma minoria social, não sofrer preconceito (no máximo um bullying) e não querer refletir sobre os privilégios que tem em relação às minorias. Antes que venham me “jogar pedras”, não estou generalizando e dizendo que todos são preconceituosos, mas estou apontando que tem o potencial de ser devido ao posicionamento social privilegiado que ocupam, que muitas vezes não os torna capazes de entender a posição frágil do outro (mulher, negro, LGBT, etc).


Éowyn: até Tolkien, que nasceu em 1892, já entendia que mulheres podem ser mais do que um "sexo frágil"...

Espero que este caso tenha uma repercussão positiva no fim das contas e que a reflexão eleve um pouco o pensamento de quem ainda está tão afundado no machismo.





Obs. para machistas: Comentários machistas neste post não serão respondidos por mim. Serão simplesmente deletados. Nem desperdice seu tempo. Liberdade de expressão não é liberdade de opressão. Reflita.




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Créditos da imagem 1:
Brienne (HBO)

Créditos da imagem 2:
Eowyn and the nazgul by deligaris (Deviant Art)







17 comentários:

  1. EXCELENTE texto, minha cara Natalia!

    Nos ainda temos muito o que lutar contra o machismo em suas várias instâncias. O que nós, homens, podemos fazer, é sermos, no mínimo, um pouco menos tapados e mais sensíveis ao problema.

    Mas para além disso, levar a questâo à baila, refletir sobre o assunto e evitar, sempre que notada, a reprodução deste tipo de comportamento.

    Nós podemos ser melhores do que isso. Abraços e obrigado por escrever a respeito.

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  2. Excelente texto. Nada a dizer
    Parabéns pelo posicionamento.

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  3. Ótima postagem.... uma semana atrás eu não imaginava que tal assunto acabaria por ser o tema central de um debate tão amplo... Não podemos deixar o tema morrer ou novamente cair no silêncio omisso de sempre....

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  4. Obrigado pelo report do evento e por comentar o "caso D20" :)

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  5. Sempre joguei com personagens femininos, fosse em rpg (geralmente era mestre então tive poucas oportunidades) ou em videogame (Tyris Flare do Golden Axe sempre rejeitada nos fliperamas), gosto muito de heroínas e acredito que essa predileção começou em ALien 1, quando ainda era criança, confesso que na época estranhei termos uma mulher protagonista (jurava que o herói era o Dalas)

    Infelizmente não pude ir pois estava em outro evento (agora sou músico de carnaval) e engraçado ver que cita os casos de assédios, bem, isso é outro assunto, carnaval está cheio de caras do tipo babão insistente, eu tocando o surdo pude observar muito isso. (mas como disse, é outro assunto)

    Tive minha fase MMO, e também jogava como mulher, na primeira vez que joguei esse tipo de game pensei que fosse um tio de rpg online então interpretei o papel, quando alguém perguntava se eu era mulher eu dizia que sim, era o bastante para sentir na pele a quantidade de assédios, cheguei a falar que era lésbica mas isso tornava a situação pior e mais chata, depois desses episódios me revelei como homem, algumas pessoas ficaram furiosas e descobri que MMO não é RPG, foi uma experiência engraçada/ estranha e necessária. Aprendi a muito tempo atrás que as vezes um homem só se torna realmente um homem quando o aprende a respeitar uma mulher, acredito que essa experiência me fez entender na pele o constante assédio sem graça e vulgar que recebem diariamente.

    " homens-brancos-hétero é potencialmente preconceituosa"
    gostei muito desse posicionamento, também é uma das "tribos" mais reacionárias, dispenso exemplos

    Acredito que esse papo abre para vários debates interessantes.

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  6. Defendo a causa e gostei bastante do texto. #RPGsemMachismo Pretendo elaborar panfletos conscientizando as pessoas nos eventos. Só estou aguardando o posicionamento do evento que o Livro dos Espelhos fará em SP.

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  7. O glossário no começo do post foi uma ótima ideia! A maior parte do mimimi dos rapazes é por desconhecer os termos e confundir "machismo" com "masculinidade" e "feminismo" com "machismo às avessas".

    Nossa geração está plantando pra que nossos filhos e netos possam colher os frutos. Eu lembro que esse tipo de texto era muito comum sobre discriminação racial. Como criança, eu não entendia porque alguém tinha que ser avisado que negros e brancos só tem uma diferença: a quantidade de melanina. Parecia bastante óbvio por mim e eu cresci odiando o racismo com dentes arreganhados, cenho franzido e punhos cerrados (até porque eu, quando criança, queria ser negro - não sei pq, eu só achava bad-ass).

    Hoje eu sei que o fato d'eu ter crescido sem sequer compreender a razão do racismo se dá ao fato d'eu ter tido uma mãe que militava contra ele assim como, hoje, eu milito contra o machismo. É importante alardear o que está errado com a sociedade pra que as atenções se voltem pro erro e mentes mudem.

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  8. Excelente postagem, minha irmã jogava comigo há um tempo e a galera as vezes pegava pesado nas brincadeiras, mas com o tempo e as devidas broncas, aprenderam a respeitar, não só ela como as outras meninas que jogaram na nossa mesa ao longo dos anos de aventuras que tivemos.

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  9. Gostei do texto, abriu meus olhos para alguns pontos que não percebia a evidência de machismo, nunca salvei um príncipe indefeso e realmente existe um poder facado na mãos dos homens em sua maioria.

    Mas vou colocar um contra ponto que é minha visão.
    Não considero o fato de não jogar com um personagem feminino um ato machista, quando eu jogo RPG gosto de ver o personagem como algo meu, uma representação minha no mundo fantasioso, então não jogo com personagens femininos porque simplesmente não me agrada, assim como não jogo o sistema Daemon, não jogo Cyber Punk pq não gosto da mecânica ou interpretacao dos papeis no mesmo.

    Não sei como foi a reação do menino mas apenas o fato de não querer jogar com um personagem feminino não pode se enquadrar em algo machista.

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  10. Só para dizer...
    Texto honesto ponderado sem puxar sardinha pra lado nenhum.
    Tu só foi verdadeira e expressou sua opinião e posição sem preciosismo desnecessário...
    Parabéns gostei e apoio, o que estava difícil de fazer com essa chuva sem sentido nas redes sociais sobre este bendito post do D20...

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  11. Parabens pela brilhante explanação sobre o caso. Acho que ha muito para se apreder sobre respeito e igualdade de genero.

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  12. muito bom texto, acho no final que toda essa polêmica foi muito produtiva.

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  13. Eu sempre gostei de jogar com mulheres guerreiras escrotas e quebrar o arquétipo feminino nos rpgs. Aquele que diz que mulheres fazemboas elfas e curandeiras. O meu negócio sempre foi nosferatu e bárbaro.


    Apoio quase por completo. Só não achei extremamente legal um evento feminista organizado por homens.

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  14. Me considero um Knight agora infelizmente tem algumas ações e tarefas que o homem tem mais facilidade e outras que a mulher tem. Sobre o assedio e complicado se a mulher for muito atraente e se vestir de forma sexy e como se ela estive-se usando a disciplina presença de vampiro e a mascara. Agora tudo e uma questão de bom senso, e só uma duvida quantas mulheres como a Brienne se vê no dia a dia ?
    O problema do Brasil e a falta de cultura dês de 1809 que a educação e perseguida, nossa população em geral lê muito pouco refletindo assim nosso estado de ignorância.
    Agora se a mulher tive-se a mesma resistência como os homens os policiais do batalhão de choque a quererem dispersa multidão não tacariam bomba de pimenta e tiro de borracha primeiro nas mulheres.

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  15. Adorei a postagem! Afinal, para os machistas que dizem que mulher não pode, fica a dica: e tem uma coisa que a mulher pode, é poder.

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  16. Adorei a postagem! Afinal, para os machistas que dizem que mulher não pode, fica a dica: e tem uma coisa que a mulher pode, é poder.

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