Por Natalia Avernus
A criação de NPCs é uma tarefa clássica dos mestres e pode
tomar muito tempo dependendo de como for feita. Há mestres que perdem horas em
um único personagem (geralmente os mais poderosos/importantes), e isso fica
ainda mais demorado com sistemas complexos.
Há também o outro extremo: o mestre que simplesmente escreve
o nome do NPC, classe/profissão/função e pronto! Um NPC genérico acaba de sair
do forno mental do pobre indivíduo.
Evidente que há NPCs aleatórios que surgirão na campanha
conforme necessidade imediata durante o jogo e não há como fazer um processo de
criação coerente no meio da sessão. Mas se você está sentado diante do seu PC
ou caderno de anotações de RPG preparando detalhes da campanha, seria muito interessante
fazer um resumo estratégico da ficha de cada NPC importante da história. E
importante não significa poderoso.
Até o velho taverneiro, um mensageiro ou a prostituta da esquina podem se
revelar importantes na trama.
Se seus jogadores apreciam o roleplay, ficarão interessados
em interagir com NPCs com um mínimo de profundidade e personalidade; quanto
mais NPCs interessantes eles encontrarem, maior a sensação de que estão em um
mundo habitado por pessoas distintas, trazendo um realismo muito benéfico para
o jogo, tirando aquela monotonia dos NPCs que agem todos da mesma forma, falam
com a mesma voz e não aparentam ter motivações e emoções.
Alguns sistemas já oferecem elementos que incrementam a
personalidade (Qualidades e Defeitos em Storyteller; Vantagens, Desvantagens e
Peculiaridades em GURPS) e a tarefa fica um pouco mais fácil. No entanto,
qualquer sistema pode se beneficiar de uma gama de detalhes que darão mais vida
a cada NPC e adaptações de um sistema para outro podem ser feitas livremente
(ex.: Usar Peculiaridades de GURPS em D&D ou Storyteller).
Abaixo eu disponibilizo os elementos de ficha que considero
fundamentais para detalhar cada NPC, seguidos dos elementos opcionais, caso
você queira ter ainda mais características definidas. Chamarei ela de “ficha de
roleplay”.
Básico
Nome:
Idade:
Aparência:
Ocupação:
Breve histórico:
Peculiaridades:
Habilidades:
Opcional
Objetivos:
Segredos:
Relacionamentos:
Principais bens:
Fiz duas fichas de roleplay de exemplo, preenchendo os dois
grupos de elementos. Levei mais ou menos 15 minutos para fazer cada uma, mas
esse tempo pode variar de acordo com a inspiração do momento. Observe como os
elementos opcionais deram uma maior profundidade aos personagens:
* Básico
Nome: Lyam Eriksson
Idade: 32.
Aparência: pele clara, alto, corpulento, cabelos
desgrenhados escuros, olhos castanhos.
Ocupação: Chefe da guarda.
Breve histórico: Guerreiro habilidoso e leal ao soberano
local, Lyam era filho de um valoroso soldado morto em guerra. Cresceu
com ódio dos inimigos e tem um senso de dever muito forte com sua terra natal.
Peculiaridades: Irritadiço, orgulhoso, cavalheiro, justo.
Habilidades: guerreiro capaz, embora seja um tanto
precipitado em combate.
* Opcionais
Objetivos: Lyam pretende defender sua terra até o fim e não
apóia incursões distantes. Quer comprar uma armadura feita por anões e uma
espada digna de sua habilidade. Como sua esposa faleceu deixando-lhe quatro
filhos, ele pretende casar novamente para ter uma nova mãe para eles.
Segredos: Sua entrada como chefe da guarda foi através de
uma luta arranjada, pois há alguns poucos homens mais capazes que ele na
guarda.
Relacionamentos: Amigo próximo de Lothir (soldado
subordinado), Derick (irmão da falecida esposa) e Hans (irmão). Inimigo de
Harn, o mais forte soldado da guarda, que cobiça o posto de Lyam.
Principais bens: armadura e espada de boa qualidade, um
cavalo jovem e uma casa de tamanho médio.
* Básico
Nome: Laila Rizzi
Idade: 29.
Aparência: Pele pálida, magra, cabelos castanhos e olhos negros.
Ocupação: Médica e cirurgiã, especialista em implantes
cibernéticos.
Breve histórico: Laila trabalhava na empresa Nano9 como
pesquisadora e médica, mas insatisfeita com o tratamento opressivo e
competitivo da empresa, Laila acabou conhecendo o mercado negro de implantes.
Hoje em dia produz e aplica implantes cibernéticos piratas/reaproveitados em
clientes que não podem pagar pelos originais.
Peculiaridades: Observadora, viciada em trabalho, tímida,
solitária, materialista.
Habilidades: Excelente cirurgiã, tem um conhecimento
considerável de engenharia cibernética.
* Opcionais
Objetivos: Laila é fascinada pelos implantes cibernéticos e
já possui dois (um alterador de faces e um eletrocutor na palma da mão) e
pretende criar e usar os melhores implantes possíveis. Ela também conspira
contra a Nano9 e gostaria de ver a empresa falir.
Segredos: O próprio trabalho dela é secreto e ilegal. Antes
de sair da Nano9, ela roubou várias ferramentas e aparelhos, e como tinha
alterado a face para parecer sua chefe, a chefe foi demitida e multada.
Relacionamentos: Amiga próxima de Elise (cirurgiã que ainda
trabalha na Nano9), Lewis (gerente de vendas, amigo de infância).
Principais bens: Consultório clandestino equipado para
cirurgias de implantes e um pequeno e desorganizado apartamento.
Neste link há uma lista de 1000 peculiaridades para se usar.
Se o problema era falta de idéias, isto irá resolver:
http://www.roleplayingtips.com/tools/1000-npc-traits/
[texto em inglês]
Armadilhas da criação
Há coisas que tiram o realismo de um personagem. Veja:
* 100% bom ou 100% mau
100% mau |
Esses personagens podem ser muito bem-vindos em histórias
infantis: a bruxa maligna, o príncipe do mal, a princesa boazinha, o cavaleiro
heróico e incorruptível... Mas numa história para adultos, é preciso ter
consciência de que os personagens não são bons ou maus o tempo inteiro. Sempre
é bom dosar as qualidades e defeitos de forma a gerar uma personalidade
coerente.
100% bom |
Também é possível surpreender os jogadores, fazendo com que
um NPC que a princípio era considerado “bom” fazer algo terrível ou o
contrário.
* Ninguém Pode Comigo
Um tipo clássico. Este personagem é feito para ser perfeito
e imortal. Nem em uma campanha Supers isso fica coerente. Se você quer criar
uma divindade, aí sim, mas se era para ser um humano como os jogadores, por
mais poderoso que o NPC seja, eventualmente ele vai falhar e certamente terá
defeitos e problemas para lidar (nem que seja a inveja dos outros!)
Xp para eles
Há mestres que parecem ignorar que os NPCs também se desenvolvem
e durante anos de campanha não melhoram as capacidades de nenhum NPC, como se
apenas os PCs fossem capazes de progredir. Isso compromete o realismo do jogo,
pois na vida real o conhecimento dos outros não “congela” em relação ao nosso,
a não ser que a pessoa opte por isso. Há quem progrida mais lentamente, na
mesma velocidade ou até mais rápido que os personagens.
Além do progresso, também há a aquisição de problemas e
mudanças de conduta. O NPC ladrão roubou tanto que agora é procurado em muitas cidades,
o guerreiro sofreu alguma amputação, o galanteador se casou e vive uma vida
mais regrada... As opções são muitas e aplicá-las ao longo da campanha fará com
que os NPCs fiquem cada vez menos um aglomerado de números/anotações e mais
próximos de um ser que pensa, age e realiza feitos, menores ou maiores.
E os atributos? E as
perícias?
Uma vez que a ficha de roleplay tenha sido preenchida, você
pode optar simplesmente por NÃO fazer a ficha do sistema que você está usando.
Usando o bom senso você facilmente poderá determinar o que um chefe da guarda,
o que uma cirurgiã de implantes cibernéticos ou qualquer outro personagem é
capaz fazer ou não. Aproveite o tempo que você ganhará ao usar apenas a ficha
de roleplay para fazer mais destas fichas para NPCs que ainda estão só com nome
ou só com ficha normal.
Há certos casos em que será melhor fazer a ficha do sistema
também (ex.: um NPC que acompanhará o grupo por muito tempo), mas na maioria
das vezes, estas informações de atributos e perícias sequer serão utilizadas.
Vendo por este aspecto, vale a pena poupar tempo e ir direto ao que interessa.
***
A ficha de roleplay que propus é algo bem básico: uma
personalidade verdadeira vai muito além daqueles elementos. Caso o mestre
queira detalhar ainda mais um NPC, poderá adicionar outras características,
enriquecendo ainda mais a ficha. Mas minha proposta foi a economia de tempo,
pois geralmente os mestres não podem dedicar tantas horas quanto gostariam para
a preparação de seus jogos.
Uma gama de NPCs ricos em detalhes enriquecerão o jogo e
darão ao mestre o que considero uma das coisas mais divertidas de se mestrar: a
capacidade de interpretar múltiplas personalidades.
______
Texto bem elaborado e interessante. Muito recomendado para os narradores "player killers" ou iniciantes. Até porque, não se pode negar que o antagonista quando bem elaborado exerce um fascínio, às vezes, maior do que os próprios jogadores.
ResponderExcluirConcordo que um esquema de criação rápido é muito bom para o mestre. Existem sistemas que já tem programas para fazer NPCs, sem falar nas clássicas aventuras que oferecem personagens prontos! Claro que no Brasil a idéia das aventuras prontas nunca pegou, ao contrário de lá fora onde muitas foram imortalizadas!
ResponderExcluirBelo texto!
Abrax
Luciano Tolkien