sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Railroad ou Sandbox, qual é seu estilo de narrativa?

Por Natalia Avernus

Há pouco tempo atrás me deparei com estes termos e fui ler mais a respeito. Eu já sabia o que eram, embora não conhecesse os conceitos. É muito interessante ver o significado destes termos para podermos refletir sobre o jogo que estamos fazendo ou pretendemos fazer.

Dos mestres que já fui jogadora, pude presenciar os dois estilos. E já tive a experiência do jogo híbrido, que faz a mistura deles. Vamos aos  conceitos:


Railroad (ou Linear)
A metáfora da ferrovia mostra como se conduzirá o jogo: o mestre escreveu uma história com começo, meio e fim e os jogadores só têm um caminho a seguir. Com um pouco mais de sofisticação, o mestre poderá até simular caminhos alternativos, mas eles também levarão ao ponto final planejado.

Estou aqui esperando você entrar na sala n. 8...
Ex.: Diablo. Missão: você tem uma dungeon para seguir e um único objetivo final no jogo: matar um demônio.

O Positivo:

* Se a história for EXCELENTE, o railroad será como ver um filme maravilhoso. Mesmo que as escolhas dos jogadores tenham interferido pouco para o fim, tudo o que aconteceu foi tão incrível que valeu a pena o tempo investido para ver no que deu aquela trama. Assim como lemos livros, vemos filmes e seriados e nossa opinião não altera em nada a história, um railroad muito bem contado pode sim ser uma experiência positiva.

* Em one shots (partidas de RPG de uma única sessão, que não necessariamente iniciarão uma campanha), talvez um forte railroad seja um dos únicos meios da história fluir. Geralmente mestradas em eventos, com jogadores que não se conhecem, a história vai fluir de maneira objetiva e chegar ao clímax, por que diferente de uma campanha onde os jogadores terão mais tempo de ir por vários caminhos, na one shot o tempo é contado e é muito ruim não conseguir concluir uma história e deixar os jogadores sem saber o que teria acontecido se tivessem chegado ao final.

O negativo:
* A restrição da liberdade de escolha pode dar ao jogador a sensação de que ele está sendo conduzido e não importa o que ele faça, tudo acabará no mesmo ponto. Um dos maiores diferenciais do RPG em relação a outros jogos é a possibilidade de mudar livremente (livre arbítrio) o que está ao seu redor e criar a sua própria história. Tirar esta possibilidade pode causar uma frustração muito grande.


Sandbox
Uma metáfora engraçada, se pensar nos tanques de areia que as crianças brincam! Um jogo sandbox não tem uma trama definida e o narrador apresenta um mundo aberto de possibilidades para os jogadores explorarem. A liberdade de escolhas é o ponto crucial e as limitações para os caminhos são apenas as que o cenário impõem (uma ponte desmoronada, uma porta magicamente selada, o aeroporto fechado, etc.). No mais, os personagens estão livres para explorarem o mundo e viverem suas aventuras de acordo com os caminhos que forem seguindo.

E lá vamos nós!
O positivo:

* Para mestres que dominam a arte de improvisar, o sandbox pode ser excelente! Por mais rico e detalhado que um cenário seja, os jogadores em um contexto livre poderão tomar caminhos que o mestre não esperava e a capacidade de improvisação e criação de localidades, NPCs e eventos interessantes vai fazer toda a diferença. Afinal, de que adianta andar livremente por um mundo se ele não é interessante?

* Para campanhas longas, onde não há uma preocupação muito grande com o tempo de jogo, o sandbox tem potencial para se desenvolver. Os jogadores terão tempo de ver os frutos de suas escolhas surgindo (o filho poupado do inimigo cresceu e voltou para vingança, a floresta se recuperou do incêndio da bola de fogo, a guilda fundada há anos atrás está forte, etc etc etc) e saberão, para sua alegria ou tristeza, que foram as suas ações que influenciaram naqueles eventos.

O negativo:
* Às vezes a falta de objetividade pode deixar o jogo com um caráter “vazio”. Os personagens andam livremente pelo mundo fazendo o que bem entenderem, mas a falta de um propósito pode dar a idéia de que as ações que eles realizam são apenas efeitos isolados que não vão realmente fazer uma diferença no cenário, principalmente se estas ações não são lá muito interessantes. E há a possibilidade do grupo se separar! O mestre precisa ver como lidará com isso, já que estamos falando de liberdade.

Ex.: The Sims. Você tem uma “Aspiração de vida” para cada personagem, mas isso não importa muito no jogo. Você tem inúmeras opções de interações e total liberdade para fazê-las.



É possível um jogo híbrido?

Sim, muito possível, embora exija uma grande habilidade para a criação das histórias e planejamento da campanha para não cair em nenhum dos extremos.


Este modo de história aparece, por exemplo, nos jogos da Bethesda como The Elder Scrolls e Fallout. Existe uma trama principal, mas ela pode ser ignorada. Existem outras linhas de história que o personagem pode se aprofundar e interromper a qualquer momento. Existem atividades triviais que o personagem pode fazer (coletar itens no “mapa”, explorar sem destino certo, falar livremente com NPCs, etc). A diferença é que em uma mesa de RPG, o realismo enriquece ainda mais a história. Por exemplo, se o personagem se tornou o líder da Guilda dos Assassinos, ele terá realmente uma carga de responsabilidades grande e não poderá simplesmente sair por aí viajando e largar tudo achando que quando voltar estarão todos esperando por ele. Ou no caso de alguém que precisa de um remédio e está morrendo, se o jogador demorar muito e se envolver em outras “quests”, o doente morrerá.



E como criar este tipo de jogo híbrido?

Criei um método, mas ele é subjetivo. Comigo funciona, mas com outro narrador pode não funcionar. Depende também de como os jogadores vão reagir.

1° passo: Defina a natureza da campanha
Será um jogo de vampiros anciões no Mundo das Trevas? Será um grupo de sobreviventes em um apocalipse zumbi? Ou o clássico grupo de aventureiros em um universo de fantasia medieval? Entre em acordo com os jogadores e defina a essência do jogo.

2° passo: Tenha um eixo
Quando a natureza da campanha foi definida, possibilidades de eixos surgiram. O eixo é o que vai manter os personagens unidos com um propósito, mesmo que eles não o sigam o tempo todo. Possibilidades comuns de eixos: membros de uma mesma guilda/família influente, sobreviventes de catástrofe, pessoas em busca de uma vingança épica, protetores de uma localidade, pesquisadores/caçadores de algo… São muitas possibilidades, que irão variar de acordo com a natureza da campanha.

3° passo: Crie “quests” e “side quests” e permita que os jogadores também criem
O eixo que os personagens se encontram eventualmente demandará missões, mas os jogadores não necessariamente estarão o tempo todo nelas. Um cenário interessante abre possibilidades de atividades extras que podem ser tão ou mais divertidas que as missões “principais”. NPCs pedem ajuda, um rumor de algo estranho surge, um torneio é anunciado… Tudo ao mesmo tempo! O mundo é múltiplo e os jogadores muitas vezes terão que optar entre várias possibilidades (e o que eles deixarem de lado, algum NPC pode fazer).

Talvez o jogador queira investir os recursos que conseguiu para abrir um estabelecimento; ou construir um castelo; ou caçar cultistas secretos que existem no cenário… Estas “quests” criadas pelos jogadores costumam enriquecer muito o jogo e darão aos jogadores a sensação de pertencer realmente a um mundo e influenciar diretamente nele.

4° passo: Cenário e improvisação
Se está usando um cenário pronto, tenha um bom conhecimento sobre ele. Os jogadores podem querer explorar áreas diferentes e você precisa estar preparado. Se é um cenário próprio e a área em questão não foi bem desenvolvida ainda, ative o modo improvisador e faça a descrição do novo ambiente. Evite bloquear o caminho dos jogadores por motivos banais. Uma coisa é eventualmente uma cidade ou outra não permitir a entrada de viajantes; outra coisa é todas as portas estarem fechadas, todas as áreas selvagens serem perigosíssimas e apenas o caminho que o mestre quer que os jogadores usem ser o mais razoável a ser seguido (railroad forte!).

5° passo: Mantenha a coerência, aplique as consequências e considere o caos
Um jogo que perde a coerência perde muito de seu realismo. Crie situações que façam sentido e evite absurdos (ex.: por que um rei chamaria personagens iniciantes para salvar sua filha de um louco bruxo, tendo no reino inteiro heróis mais experientes?).

Para cada ação, uma reação. Os personagens arcarão com as consequências de suas ações e o mestre que fica “aliviando a barra” dos jogadores cria uma sensação de onipotência nos jogadores que quebra o realismo da história. Claro que eventualmente eles podem transgredir leis, costumes e protocolos e conseguirem passar sem consequências (ou a dívida virá secretamente no futuro!), mas se isso acontecer o tempo todo, a qualidade do jogo cairá.
Sabe aquele seu unicórnio de montaria? Então...

E por fim, lembre-se que o mundo não necessariamente é justo e previsível 100% do tempo. Considere o caos! Enchentes, pestes, traições de onde menos se esperava, reinos prósperos caindo, criaturas puras se corrompendo ao mal, a magia do mundo secando, portais dimensionais abrindo… O caos também pode ser “benigno”, como colheitas extremamente férteis, o exército inimigo em grande vantagem foge diante de algo inexplicável, inimigo muda de lado, multiplicação de pégasus no mundo, etc.



E você, como está mestrando? E o seu mestre, onde está nestas categorias?

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Créditos da imagem 1
minotaurs and railroads by arthurgwg (Deviant Art)


Créditos da imagem 2
freedom by grafik(Deviant Art)


Créditos da imagem 3
dancer_by_ellixus (Deviant Art)


Créditos da imagem 4
famine by za akranoia (Deviant Art)


10 comentários:

  1. Legal a postagem. Mas acho que não é o caso de que no Sandbox nunca vai ter histórias. Na verdade pode haver várias ao mesmo tempo, mas nenhuma é forçada sobre os jogadores. E algumas, eles mesmos criam. Há vários objetivos e coisas que podem instigar os personagens a agirem, mas são eles que escolhem o que perseguir.

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    1. Eu não quis dizer que os sandboxs não terão histórias, talvez eu tenha me expressado mal no seu ponto de vista.

      O ponto negativo a que me referi foi o caso de um jogo ficar sem "sentido" e isto dar uma sensação de vazio na campanha. Já passei por isso.

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    2. Compreendi este seu ponto. Acho que o foco foi exaltar a liberdade, e mais do que isto, a ideia da história se fazer durante o jogo. Gostei do artigo.

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    3. Acho que mestrar um um jogo totalmente Sandbox é complicado apenas por definição, pois os bons jogadores, mesmo em um mundo livre e aberto, terão suas motivações, seus objetivos e usarão isso para criar uma linearidade na campanha.

      Já fui jogador em uma narrativa sandbox e após tempos de exploração, quests aleatórias e tal, usei minha influência para dominar uma nação e me tornar um ditador, algo visto pelos outros jogadores como maligno... Me tornei uma ameaça para o cenário e acabei virando o vilão, algo muito divertido.

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  2. Eu sou particularmente ruim para histórias que precisam ser mais lineares. Não as acho ruins, mas tenho certa dificuldade em seguir um roteiro. E quando sou eu que crio elas ficam muito ruins.

    Sou bem mais de improviso, até porque sou meio caótico.

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  3. Ótimo artigo. Estou tentando fazer uma história no Mundo das Trevas usando os dois elementos. Foi muito bom tomar conhecimento. Seu guia é muito bacana. Parabéns!

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  4. Dicas muito úteis no artigo. Gosto mais do estilo sandbox, mas é fato que para manter a coesão do grupo deve haver alguma linha que os una, caso contrário vai cada um pra um lado. O estilo híbrido acaba sendo o ideal na maioria das vezes. Estava jogando uma campanha híbrida excelente há um tempo que teve que dar uma pausa. Espero um dia poder voltar a jogar assim.

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  5. Hahahhaa que otimo nome para um blog!
    Achei engraçado e interessante ao mesmo tempo, no que foi baseado?
    Sua postagem foi otima! Adorei as dicas!

    www.memoriasdeumaguerreira.blogspot.com

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  6. Que tradução vocês sugerem para 'sandbox'? 'Caixa de areia' parece vago, pensei em 'caixa fechada' parece uma contenção. Apenas 'caixa'?

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