Por Natalia Avernus
Os anos vão passando, os
jogadores vão mudando, surgem novos sistemas... Muita coisa muda no RPG, mas os
defeitos dos mestres continuam os mesmos. Quem nunca saiu da sessão reclamando
de uma característica X ou Y de seu mestre?
Mestrar é uma arte difícil que
exige talento, mas um pouco de conhecimento teórico sempre é bem-vindo para
aprimorar nossa técnica, não é mesmo? Pensando nisso, enumerei aqui os que
considero serem os piores defeitos de um mestre:
1) Excesso de bondade: você pode até achar que os jogadores vão
gostar de encontrar vários itens mágicos em cada canto desprotegido da dungeon,
ter batalhas seguras, ressurreições fáceis de serem conseguidas e ajuda o tempo
inteiro. Mas a verdade é que sem a dificuldade não há desafio e sem desafio não
há conquista. Um jogo onde não se conquista e não se supera dificuldades tende
a se tornar fácil demais e perder a “graça”.
* Se você sofre deste problema:
Sabe quando o jogador tem aquela sensação de que “ele seria incapaz de matar
meu personagem?”. Mostre para ele que você não só é capaz como pode muito bem
fazê-lo, caso ele faça algo perigoso. E aqueles montes de itens mágicos?
Ladinos estão aí para promover o controle, além do quê, como diria o Gurps Magia,
a magia é caprichosa e o item que funciona agora pode “dar defeito” a qualquer
momento. Mas cuidado! Se você sair retirando tudo deles de imediato, poderá
deixá-los furiosos e o tiro pode sair pela culatra. Vá aos poucos, uma sessão
uma coisa, na próxima outra, um NPC* amigo próximo é morto e aos poucos eles
vão sentindo que algo mudou.
2) Troll: Seqüestrar a filha do personagem, desaparecer com seu
mentor, roubar seus (poucos) itens mágicos, deixá-los trancados em uma prisão
por anos... Meus jogadores sabem que eu sou (ou fui) uma mestra “troll” com
eles. Eles costumavam dizer que eu “garfava” eles de muitas maneiras, mas mesmo
assim eu conseguia fazê-los gostarem do jogo por outros aspectos. É natural que
aconteçam problemas com os PCs** (até na nossa vida de ser humano na terra
acontecem aos montes), mas se a campanha for uma sucessão de desgraças onde os
jogadores se sentem prejudicados o tempo inteiro e não tem nenhuma perspectiva
de mudança, você pode ser surpreendido com personagens se suicidando e
jogadores procurando outro mestre.
* Se você sofre deste problema:
eu mesma sofro disso e o que tenho feito ultimamente é maneirar nos
problemas. Se você apresenta um situação terrível para o PC (ex.: a vila natal
dele foi destruída por inimigos), faça que depois o problema o afete menos
(ex.: quando ele chega na vila encontra muitos sobreviventes e talvez toda a
família dele pode estar viva!). Evite o excesso de infortúnios sem solução e
tente buscar um equilíbrio entre as desgraças e as glórias que irão acontecer
na campanha.
3) Executor: este é um defeito muito comum, e como o próprio nome
sugere, estamos falando daquele mestre que mata personagens com muita
freqüência, seja por achar que o personagem estava ficando muito “apelão”, seja
por que ele fez algo que não deveria (mas que o jogador achou que era
perfeitamente possível), ou por puro e simples prazer de matar (é, isso é bem
estranho!). Geralmente nem dá tempo dos jogadores se apegarem aos personagens,
pois eles não duram muitas sessões. Estranhamente, algumas vezes estes mestres
elegem um ou mais “favoritos” na mesa, que são imunes aos seus ataques
psicopatas, o que torna o jogo extremamente injusto. Num grupo assim, costuma
ter uma alta rotatividade de jogadores, com os “favoritos” e seus personagens
fortes e novatos ou jogadores desavisados que irão sofrer um pouco antes de
saírem do grupo. Novatos podem nunca mais querer saber daquele “jogo chato onde
só morriam”.
* Se você sofre deste problema: Primeiro,
você deveria se perguntar: “por que eu faço isso?” Será que você escreve
aventuras difíceis demais para o grupo? Será que sem perceber você não está
perseguindo Fulano ou Ciclano? E o mais importante: se você estivesse no lugar
do jogador, gostaria que isso acontecesse com você? Seus jogadores abdicam de
um dia livre onde poderiam estar fazendo qualquer coisa divertida (passear,
jogar no PC, ficar com namorada(o) ou família, etc.) para jogar RPG e você não só
não faz valer a pena, como também os decepciona/irrita... Algo está muito
errado. E realmente precisa ser
mudado. Como? É simples: pare de perseguir os jogadores e matá-los sem
necessidade. Sei que você vem fazendo isso anos a fio, mas nunca é tarde para
mudar.
4) Prolixo: Particularmente vi poucos deste tipo. O mestre prolixo,
fala, fala, fala, divaga sobre história, sobre star wars, sobre o cachorro
dele, sobre Marco Pólo, tudo isso durante a descrição de uma cena; enquanto
isso os jogadores bocejam e olham a hora nos relógios, se perguntando o que
diabos estão fazendo ali. Estamos de acordo que o RPG é um jogo de narrativa,
mas se os jogadores mais ficam parados escutando descrições e divagações do que
interagindo com NPCs e com o ambiente, o jogo se torna um monólogo e se o
mestre não for um excelente ator interpretando uma obra de Shakespeare, logo os
jogadores ficarão terrivelmente entediados, dormirão até roncar enquanto você
fala como uma matraca.
* Se você sofre deste problema:
tenha em mente que você precisa ser objetivo.
Se precisa narrar uma descrição complexa, evite divagações em comparações que
às vezes os jogadores nem vão entender. Se você é um grande conhecedor de
história, política, Tolkien ou qualquer outro assunto que poderia ser discutido
dentro de uma sessão de RPG, controle sua vontade de conversar e volte a mestrar.
Deixe para debater isso no fim da sessão ou com os jogadores em dias sem RPG.
5) Disco arranhado: sua campanha pode ser em qualquer sistema, com
qualquer temática, mas se o tempo inteiro você apresentar as mesmas missões
para os jogadores, eles terão a sensação de que tudo está sempre na mesma. O
mesmo rei os envia em aventuras pelo reino; a guerra parece interminável e a
cada sessão os personagens batalham em campos diferentes; os personagens são
andarilhos sem rumo que apenas trucidam criaturas e sobrevivem... A variação dá
a dinâmica necessária que tornará o jogo interessante e deixará os jogadores
sempre curiosos com o que acontecerá no futuro. Manter a curiosidade é
fundamental para que eles se interessem pela campanha e debatam sobre o que
fazer e que rumo devem tomar.
* Se você sofre deste problema:
identifique se há algum fator que esteja deixando o jogo assim e faça ajustes
(ex.: o rei que sempre os enviava em missões morre e agora quem assume é o
filho que os odeia; a guerra termina e eles precisam fugir por que o lado deles
foi derrotado; os andarilhos se filiam a uma guilda de mercenários e agora tem
várias opções de missões para realizar). E o mais importante: pergunte aos
jogadores que tipo de missões eles gostariam de realizar e faça o possível e o
impossível para que eles tenham oportunidade de realizá-las.
6) Encaminhador da história: tudo bem que além dos personagens
existem vários outros NPCs que afetam o mundo e a campanha: nada mais chato do
que aquele jogo onde o mundo parece depender dos jogadores para girar (uma
invasão de orcs? Chame os PCs! Uma erva no topo da montanha para curar a doença
da rainha? Chame os PCs! A latrina está suja? Chame os PCs!) mas não é disso
que estou falando. Estou falando daquele mestre que ama seus NPCs tanto, mas
tanto, que relega aos PCs meros papéis de figurantes, que assistem tudo
acontecer e não conseguem interferir em nada. Até mesmo quando os jogadores acham que
estão fazendo uma missão, apenas foram manipulados por um NPC e geralmente a
“aventura” já tem um final definido, independente das decisões que os jogadores
tomarem. O RPG é uma das poucas formas de história onde alguém pode interferir
e mudar seu próprio destino ou até o do mundo inteiro, e se você lhes retira
esse privilégio, talvez seria melhor você escrever um livro fantástico e
publicar ao invés de fazer seus jogadores perderem tempo sendo joguetes em suas
mãos.
* Se você sofre deste problema:
Será que os PCs precisam ser tão insignificantes assim na história? Eles tomam
a iniciativa para agir de maneira diferente do script e você diz ou sonoro
“não, vocês não podem pegar o caminho da esquerda por que, bem, errrr, começou
uma avalanche ali agora mesmo!”. Está na hora de repensar o que você acha que é
RPG e compreender que se o jogo não for participativo de verdade, você está
apenas conduzindo uma história e frustrando seus jogadores. Da próxima vez que
for planejar a campanha, coloque os PCs em papéis ativos na história, dando
diversas opções para que eles tenham a sensação de liberdade que uma pessoa com
livre arbítrio tem. Seus NPCs podem continuar auxiliando, atrapalhando e
fazendo as próprias tarefas, mas os PCs estarão livres para agirem como
quiserem.
7) Morto-vivo: um mestre pode ser morto-vivo ou simplesmente
“estar” morto-vivo. Todos têm dias ruins e às vezes seu desempenho como
narrador fica comprometido quando você está com um problema sério e não se
concentra no jogo. Você pode estar virado da noitada de sábado e estar
sonolento e de ressaca, pode estar doente, pode ter terminado com a(o)
namorada(o)... Mas existe o mestre morto-vivo permanente, que conduz uma sessão
inteira falando como um robô, descrevendo cenas da mesma forma e interpretando
NPCs sem personalidade ou pior, fazendo a fala dos NPCs na terceira pessoa
(“ele diz para vocês que a clériga foi assassinada e que o tesouro que vocês
pediram para que ela guardasse foi roubado”, “ela lhe diz que te ama”, etc.). Os
jogadores não se apegam a nenhum local, a nenhum evento, a nenhum NPC, pois
tudo é tão cinza que não desperta interesse. Resta se apegar aos outros PCs,
que talvez interpretem de fato personagens interessantes. Se nem isso estiver
acontecendo, bem, isso é um fenômeno que não compreendo e me arrisco a dizer
que mais parece um MMORPG*** do que um RPG tradicional.
* Se você sofre deste problema: talvez
você nem considere isso um problema, até ver a atuação de um mestre que
realmente interprete NPCs com maestria e crie um mundo peculiar, com tavernas
únicas, guetos inquietantes, igrejas e cultos estranhos... Aí você perceberá
(espero!) que falta um tempero em seu jogo. Se você narra em um cenário pronto,
utilize mais os elementos de ambientação que o livro oferece e crie seus
próprios. Se você usa um cenário próprio, detalhe mais e dê características a
cada cidade, floresta, tribo, etc. Lembre-se que NPCs representam pessoas e que
não existem pessoas iguais. Varie vozes, levante e caminhe se necessário, faça
posições que os NPCs estão fazendo, simule o cigarro que ele está fumando...
Solte seu lado ator e se você acha que não tem, observe seus próprios jogadores
interpretando. Não estou dizendo para você se tornar um prodígio do teatro, mas
com algum esforço aos poucos você irá melhorando e vai perceber que a qualidade
do seu jogo melhorará significativamente.
***
Se você tentar mudar e não
conseguir de jeito nenhum, meu conselho é o seguinte: procure um bom mestre, de
preferência que não tenha o seu pior defeito e passe um tempo como jogador
dele. Boas experiências tendem a fazer com que passemos a enxergar nossa narrativa
de outra forma; assim você poderá “copiar” o estilo dele, melhorando o seu
problema e mantendo as qualidades que você já tinha.
Claro que não existe mestre
perfeito e eventualmente todos nós cometeremos erros. Como eu disse antes,
mestrar é uma arte difícil e os jogadores devem compreender nossas falhas, mas
quando o problema persiste, é dever deles nos avisar que estão insatisfeitos
com algum aspecto do jogo.
É muito comum termos os problemas
e não nos darmos conta. Por exemplo: será que você está sendo um mestre prolixo
e não está percebendo? Peça sempre a opinião dos jogadores sobre o que eles
estão achando do jogo e como poderia melhorar. Você também pode mostrar este
texto para eles e pedir para que eles lhe dêem notas de 0 a 10 nestes defeitos (faça o
questionário anônimo para que eles não se sintam constrangidos em falar a
verdade) onde 0 seria não ter nada do defeito em questão e 10 seria ter o
defeito muito forte. Você pode se surpreender com o resultado!
E você, já teve algum mestre com
algum desses defeitos muito forte? Você é mestre e se identificou com algum?
Falem sobre suas experiências.
______
*NPC (Non-player character):
personagens controlados pelo mestre.
**PC (Player character):
personagem controlado pelo jogador.
*** MMORPG (Massively multiplayer online role-playing
game): modalidade de RPG jogado pela internet, muito semelhante aos jogos de
vídeo-game ou computador, onde o jogador interage com outros jogadores, mas não
há mestre e geralmente o objetivo do jogo é evoluir o personagem através de
combates, missões e acumular tesouros.
Créditos da imagem
Dungeon master by mythrilgolem1 (Deviant Art)
Mestra Natalia! A TROLLADORA! Lady dos GARFOS VOADORES FLAMEJANTES TROLADORES DAS GALÁAAAAAXIAS!!!!!!
ResponderExcluirEstou com saudades de jogar com você e ainda mais, sinto muita falta do jogo de dark ages. Markus Talaudrym continua até hoje sendo o meu personagem de todos os meus personagens. Ele continua sendo até hoje o meu preferido. Aquele que dei o sangue pra criar. Meu maior orgulho no RPG.
E sinto falta dos seus garfos! Mesmo meu personagem tendo ficado em torpor por 5 anos por enfrentar 3 lobisomens ao mesmo tempo e sobreviver. Ter o Mentor abduzido por forças desconhecidas. Ser caçado pela Igreja e pelos infernalistas ao mesmo tempo. Ter um irmão infernalista que não serve pra nada além de trazer problemas. Ter a filha sequestrada por demonios. Ter perdido o cargo de Cavaleiro do exército da grã bretanha. E ter tido a mansão que morava totalmente destruida.
Só Pra saberem o nivel da trollágem dela!! kkkkkkkk
Agora Vou aqui fazer um pedido, Quero que faça um post para comentar sobre os tipos de jogadores.
Por que eu Mereço o tipo TROLLADOR COM POTÊNCIA. KKKKKKKKKKKKKKK
muit boa a lista
ResponderExcluiruma coisa q evito (e admito q ja fiz na minha "infancia" como mestre) é a reutilização de eventos/elementos. na décima vez que um esqueleto caido no canto da sala ataca os joagdores, ele ja estao de saco cheio dessa "artimanha".
parabens pelo post
abraço
Gostei, só achei que alguns dos exemplos são muito voltados a fantasia medieval, não há problema com isso até pq mal ou bem é o que 80% das pessoas jogam no Brasil. O texto apenas poderia ser mais genérico.
ResponderExcluirE quanto ao mestre falar em terceira pessoa, nem todo mundo se sente confortável interpretando personagens, visto que não são todos que possuem uma veia teatral. Até mesmo o mestre mais versado em atuação vai se sentir desconfortável em interpretar (caso seja um homem), por exemplo, uma mulher dando uma cantada em outro jogador homem por não saber como as pessoas na mesa vão encarar (principalmente em eventos). A narração em terceira pessoa (tanto do mestre quando do jogador) também gera um distanciamento daquele personagem. É como se vc estivesse dizendo "olha, é o que o personagem está fazendo e não eu". É sutil, mas é excelente para não criar polêmicas de perseguição, homofobia na mesa ou esquizofrenia (do ponto de vista de observadores externos desavisados):P Um exemplo simples são os gritos de "eu mato ele na boa" ou "eu roubei mesmo, na caradura" perto de seguranças, funcionários ou pessoas comuns em locais públicos.
Rapazes, obrigada por estarem comentando, leio sempre e as críticas são bem-vindas.
ResponderExcluirEu considero a narração em primeira pessoa algo fundamental para o RPG, mas cada um se diverte como quer, não há cartilha.
Sobre constrangimentos em locais públicos, realmente pode acontecer, mas eu, que me considero uma pessoa tímida, sempre interpretei em primeira pessoa em eventos e mestrando já até dei um grito de Banshee (todo mundo olhou pra minha cara assustado). Mas qdo pode gerar polêmicas (no caso de seguranças perto), não há dúvidas de que a terceira pessoa é o ideal.
Acho que os jogadores tem q ter maturidade pra separar personagem X jogador. Em minha última mesa, meu cunhado namorava uma npc e minha irmã jogava tb, sem neurose alguma. Já interpretei NPC prostituta e todo mundo levou na boa. O personagem do meu amigo dava em cima da personagem da minha irmã e meu cunhado tb não teve neurose. Mas isso varia de cada um e o mestre deve conhecer seu grupo para saber o que deve ou não fazer.
Já cansei de ver mestres homens interpretando mulheres (bastante femininas) e até personagens gays e todos na mesa aceitam numa boa. Pra mim o estranho seria zoar um mestre nesta situação.
Ass.: Natalia Avernus
Também tem o mestre vingativo, aquele que é jogador em outra aventura e o DM de lá é jogador na mesa dele. Não satisfeito em se vingar contra o outro DM por qualquer problema que acontecer com o amado personagem dele, ele ainda se vinga de todo mundo por qualquer coisa!
ResponderExcluirE, nessa mesma situação, tem aquele que acha que o outro DM tem que ser totalmente generoso com ele se ele apenas for minimamente bonzinho (tipo "mestre coleguinha, eu te ajudo um pouquinho e você me deixa conquistar o mundo").
HAHAHAHAHA, ADOREI OS ESTILOS DE MESTRES!!!!
ResponderExcluirLEMBRANDO QUE VOCÊ SEMPRE PODE BATER UM PAPO COM O MESTRE DEPOIS OU ANTES DO JOGO PARA MUDAR UM POUCO AS COISAS!
Abs,
Luciano Tolkien
Infelizmente ser um mestre de verdade n é p qualquer um.... o cara tem que saber interpretar , estudar psicologia de seus jogadores e mecher com suas emocoes.
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